Por Jean Marc Sasson – Desde o desastre natural ocorrido no Japão em março deste ano, a energia nuclear está em foco. Tido como um dos países mais seguros do mundo, o Japão se viu envolto em uma das maiores crises nuclear da história, superada apenas por Chernobyl, em razão de um Tsunami causado por um dos terremotos mais fortes dos últimos tempos. Uma de suas usinas, em Fukushima, foi atingida contaminando áreas em até 30 km de distância.
Fazendo parte da matriz energética de vários países, a energia nuclear sempre foi polêmica. Em razão das consequências desastrosas em caso de vazamento de radiação e pela destinação inadequada de seu lixo atômico (resíduo produzido na produção de energia elétrica) – hoje já há estudos para reutilizá-lo como fonte de energia – ela se tornou uma alternativa não muito bem vista, apesar de ser uma energia limpa ao não emitir CO2.
A partir deste episódio, tanto o Japão como outras nações passaram a rever sua matriz energética e seus planos em investimento em energia nuclear. O Japão possui 54 usinas nucleares que correspondem a 29% de sua matriz energética. Diante do desastre nuclear, anunciou a paralisação de suas usinas e suplementou a produção de energia elétrica com usinas térmicas a carvão que antes já correspondiam a 27% da sua matriz energética.
Outras nações como a Alemanha, Suíça, Bélgica, China e França estão entre as mais dependentes da energia nuclear, sendo esta última a maior, com 78% de sua matriz energética baseada na produção de energia de 58 usinas nucleares. A Alemanha, na semana passada, anunciou que pretende desativar suas usinas nucleares até 2022 e ter sua matriz energética 100% limpa até 2050. A China, por sua vez, cuja matriz energética é a mais suja do planeja pautada em usinas térmicas, é o país, atualmente, que mais investe em energia limpa e renovável, principalmente a eólica e solar.
Não obstante o movimento mundial contrário aos investimentos em energia nuclear, a Câmara dos Deputados aprovou no dia 1º de junho a Medida Provisória (MP) 517, que, entre outros itens, cria um regime tributário especial para a construção de usinas nucleares. Este incentivo ao Desenvolvimento de Usinas Nucleares (Renuclear) foi desenvolvido especialmente para atender as expectativas em torno da usina nuclear de Angra 3, no Rio de Janeiro. O Renuclear isenta de pagamento de Imposto de Produtos Industrializados (IPI) e Imposto de Importação as compras de equipamentos, insumos e materiais de construção para a instalação dessas unidades nucleares.
A MP, no entanto, será ainda votada no Senado. Fora isso, o governo pretende manter a estratégia de mais quatro usinas até 2030, como previsto no Plano Nacional de Energia (PNE) 2030, hoje em revisão. Embora haja o interesse em aumentar o número de usinas, preocupa a ausência de um plano de emergência adequado à implantação de uma usina nuclear. Apesar de serem remotas as chances de o Brasil ser atingido por catástrofes naturais como as que devastaram parte do Japão, as usinas brasileiras têm capacidade para suportar um terremoto de até 7 graus na escala Richter ou mesmo a queda de avião de grande porte sobre suas estruturas, segundo informações da Eletrobras Eletronuclear.
Isso por certo não é o bastante. A rota de fuga, a estrada Rio-Santos ou BR 101, é constantemente interditada por desmoronamentos de terra em qualquer tempestate. Imagine quando houver um acidente nuclear? Outro problema é a capacidade de retirada de apenas vinte mil pessoas em um raio de apenas 5 km, enquanto a cidade de Angra, hoje, possui mais de 170 mil habitantes. Fica claro que a cidade de Angra não comporta qualquer tipo de ampliação no número de usinas, enquanto problemas de segurança das atuais usinas não forem solucionados.
Não obstante tais problemas com Angra 3, a implantação de novas unidades dobrariam a fatia da fonte nuclear na geração de eletricidade do país, para 5%. Este crescimento, além da expansão do gás natural, de 2,6% em 2009 para 8%, se daria em detrimento da retração da fatia da hidroeletricidade, fonte limpa e barata que baixaria de 85% para 78%. Além disso, as energias vindas da biomassa e dos ventos também sofreriam uma leve redução. Juntas, elas respondiam por 5,7% em 2009 e cairão a 5% em 2030.
Este planejamento energético brasileiro, a meu ver, está totalmente equivocado. O Brasil está investindo em fontes que embora sejam limpas, são dentre todas as possibilidades as mais impactantes. Fontes como a biomassa, eólica e solar, em abundância no Brasil e com grande potencial de desenvolvimento, necessitam hoje de forte investimento federal para baratear suas pesquisas na busca de um preço de oferta final mais acessível. Além disso, programas de eficiência energética deveriam estar no foco do investimento.
Para Luiz Pinguelli Rosa, um dos cientistas mais proeminentes desta área, diretor da Coppe/UFRJ e ex-presidente da Eletrobras, esse investimento equivocado em energia nuclear sequer seria uma questão de segurança nacional. Seria simplesmente uma questão econômica.
Ele comparou o preço entre as diferentes fontes de energia limpa, demonstrando que hoje a fonte hidráulica é a mais barata. Nos seus cálculos, o custo da energia hidráulica está em cerca de R$ 78 o megawatt-hora (MWh), já considerados os projetos de Belo Monte (PA) e do Rio Madeira (RO). A tarifa da energia eólica e da gerada a partir do gás natural está em torno de R$ 150 o MWh, enquanto a da energia nuclear giraria em torno de R$ 250 o MWh, sem contar o investimento em Angra 3, de R$ 9,9 bilhões.
Sou nacionalista, desenvolvimentista e, sobretudo, ambientalista. Não sou daqueles que pensa que o que serve em outros países, serviria para o Brasil e vice-versa. Contudo, neste caso em específico, quando grandes potências observam as possíveis consequências da energia nuclear, optando em investir em outras fontes de energia limpa, ao passo que o Brasil sequer revê seu plano de emergência, investindo na ampliação de suas usinas em detrimento de outras alternativas mais baratas, causa-me grande preocupação.
Somos um país com milhares de possibilidades por possuirmos a maior biodiversidade do mundo, águas fluviais a perder de vista, luz solar o ano inteiro, ventos quase intermitentes no Sul e Nordeste e ainda assim, optamos pela energia nuclear.
É louvável o esforço em tornar nossa matriz mais limpa, mas a opção é fatalmente equivocada.
Que os ventos de Fukushima ventem em Brasília e dissolvam esta ideia.
* Jean Marc Sasson é advogado com especialização em gestão ambiental pela COPPE/UFRJ. O colunista também é editor do blog Verdejando (www.verdejeando.blogspot.com)
FONTE: www.ambienteenergia.com.br
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